Cleusa Ribeiro Campos, 53, fugiu de casa aos 16 para se livrar dos abusos recorrentes
Década de 1970, interior do Tocantins. Esse é o pano de fundo da sobrevivente Cleusa Ribeiro Campos, vítima de abuso e exploração sexual desde os quatro anos. Aos 53 e vivendo em Brasília desde os 18, a cozinheira diz que as marcas do sofrimento vivido ainda estão presentes.
A história da minha família é muito feia, os detalhes dão um livro de horror.
Eu morava com a minha avó em Ponte Alta do Bom Jesus, zona rural de Tocantins, e era sustentada por um tio que morava em Barreiras, na Bahia. Meu pai biológico nunca me procurou. Minha mãe não cuidava de mim, mas me pegava nos finais de semana.
Nessas ocasiões, o companheiro dela não perdia uma oportunidade para tocar em mim, me colocava debaixo da coberta e me enganava com uma balinha, um pirulito. Acredito que minha mãe tinha uma certa desconfiança, mas não fez nada.
Quando eu tinha uns quatro anos, ela me deu para outra família. Ela apareceu do nada, dizendo que ia me levar para conhecer umas vizinhas. Lembro até que ela usou sabonete para tomar banho, me arrumou…
Eu estava doida para voltar para a casa da minha avó, mas ela me enrolou. Acabei dormindo e acordei já de manhã, à beira de um riacho só com as duas vizinhas. Elas me deram algo para comer, lavaram meu rosto, me colocaram na garupa do cavalo e fomos.
Elas viviam com a mãe, duas irmãs pequenas, o avô e três tios adultos. Lembro que me colocaram em uma rede pois não havia espaço. Um dia eu estava dormindo e acordei com o pai dela mexendo nas minhas partes genitais. Depois os tios fizeram o mesmo, mas não chegaram a penetrar o dedo, como o avô fazia, só me tocavam, mandavam ficar pelada, essas coisas.
Eles falavam que era brincadeira, e pra mim era brincadeira. Também, se não aceitasse, levava cascudo na cabeça. Se gritava e chorava, eles cobriam a minha boca. Foi assim até completar uns 13 anos.
Por volta dos meus oito anos, pegaram o avô mexendo em mim. Eu gritei, porque tomei um susto, a mulher acabou ouvindo e foi brigar com ele. Não falou nada pra mim sobre aquilo ser certo ou errado, se podia ou não podia. Passou um tempinho e começou tudo de novo.
Na época nunca falei nada a ninguém. Não tínhamos informação, TV, rádio, nada. Tudo o que acontecia era normal.
Um dos irmãos dessa minha mãe de criação tentou me estuprar várias vezes. Três anos atrás, quando estive lá, ele admitiu como se fosse a coisa mais normal do mundo. “Você acha isso bonito? Não tem vergonha não? Eu era uma criança”, argumentei, e ele respondeu que eu queria!
Com uns 13 anos fugi e fui para Taguatinga do Tocantins. Trabalhei como doméstica, cozinheira, babá, o que aparecesse. Foi a última vez em que fui molestada. Tinha uns 16 anos, já sabia o que era certo e errado, mas mesmo assim não sabia como dizer não e me defender.
Eu trabalhava como doméstica e, no caminho do serviço, um homem apareceu no meio da estrada e me puxou para o mato, falou que ia fazer comigo a mesma coisa que fazia com a minha mãe biológica, era um conhecido dela.
Eu era muito revoltada com a minha mãe, porque ela não tinha necessidade de me dar para alguém. Eu já morava com a minha avó e quem me bancava era meu tio. Sempre tive isso na cabeça: “Por que ela fez isso comigo?”.
Ela fez mais dez filhos com aquele homem que me molestou. As filhas cresciam e iam sendo violentadas pelo pai. Ela sabia, porque se livrava delas, deu as meninas tudinho. Quando ele não tinha mais meninas, começou a abusar dos meninos. Essas minhas irmãs nem gostam de falar sobre o assunto, começam a chorar.
Sou solteira. Tenho uma filha de 36 anos e um filho de 24. Por não confiar em homem, nunca coloquei ninguém dentro de casa. Continuei solteira por opção e para proteger meus filhos. Até hoje não gosto de sexo, tenho certa repulsa pelo sexo oposto, talvez seja por isso. Preciso fazer terapia para descobrir.
Depoimento a Ana Beatriz Gonçalves.
Cleusa é atendida pela psicóloga Neusa Maria, do Eu Me Protejo.
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